Andei a escolher outro apartamento.
Encontrei.
Agora estou aqui ao lado e ando a fazer a mudança.
Estou a levar as maluqueiras a pouco e pouco e a casa ainda está um pouco sem arrumo.
Não levem a mal.
O endereço: http://cantodocarlos.blogspot.com
ATÉ
Em casa dos que me são queridos, habita agora outro ser.
Bolinha de pelo branco e irreverência quanto baste, própria da idade, chegou mês e meio após o nascimento.
Ali tem estado, deambulando pela área restrita do quintal, criando os seus próprios espaços e hábitos e depositando com frequência, muita mesmo, o resultado intestino da ração diária ingerida.
Rosno e ladro com alguma precisão.
Para o conquistar tive de juntar alguns insultos e latidos.
Olhando-o, observo e divago.
Vem geneticamente equipado para utilização quase imediata do essencial. Respira, cheira, ouve, late, rosna, ladra e sobretudo morde.
Devora a parca e medida ração, chama a atenção para obter companhia e, mais, a artimanha já faz parte do seu ferramental , pois acata ordens de aquietação, superando a ansiedade, na certeza da recompensa.
E quando apanha as minhas pernas à feição até simula uma queca .
Quando lhe abanam um grande osso com algumas raspas, pede paz e isolamento, rosnando para quem o quebrar.
É o sentido de posse, pois algum senão havia de trazer.
Estes processos simples, dádivas naturais, asseguram-lhe a melhor vida de cão que poderia ter e assim viverá intensamente enquanto a natureza o permitir.
QUE BOM SERIA ESQUECER E SER CÃO COMO ELE !
Desculpem lá o tamanho e a euforia.
É que algures dali saiu em tempos a minha nave em passeio espacial de maravilha, tendo, por sorte ou azar, esbarrado neste planeta prisão, onde e incompreensivelmente, ficou retida.
Desculpem, reitero, o êxtase acelera-me e dá-me ganas de mergulhar, sem saber voar, sem medo, sem servidões, livre, na tentativa de regressar ao meu sítio.
O quê ? O conhecimento e a ciência dizem-nos que muitas daquelas estrelas já não existem ?
Pode lá ! Eu estou a vê-las! Ou, por aqui, já nem posso acreditar no que vejo?
Para que servem esses tais de ciência e conhecimento?
Será para aditar angustia e cortar cerce a esperança de regresso?
Será que a minha estrela está na lista das extintas, sendo em vão o retorno, deixando-me no espaço para a eternidade sem acolhimento?
Ciência e conhecimento eu vos declaro culpados. Assassinos confessos dos meus sonhos, minhas ilusões!
Aqueles que me tem muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou
Não sabem que passou um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.. (F.E.)
E a intrusa ficou
Conta-se que um sujeito muito crente, também endividado e caloteiro, pouco escrupuloso a cumprir palavra dada, num dia de mais aperto, não hesitou em recorrer ao apelo superior.
Assim foi, armado de matreirice, perguntar a Deus o que eram para Ele o tempo e o dinheiro.
Ora, meu filho, (de resposta obteve) um milhão de anos para mim não é mais que um segundo e, podes crer, um milhão de euros é como se fosse um cêntimo.
Ai, meu Deus, resolvia todos os meus problemas se me emprestasses um cêntimo. Podes ?
Ora, meu filho, muito simples, espera só um segundo!
E o tempo é isto !
Pura invenção do terráqueo para controlo não sei de quê.
Que de felicidade não.
Os restantes animais da criação, não sabem de todo o que é o tempo e, que me lembre, nenhum usa relógio.
Não lhes padece o interesse dum passado ou futuro e porventura vivem em plenitude o “tempo” que a natureza lhes concede, sabendo nós que nesta arena alguns, e pela nossa medida, tem passagem meteórica, apenas para garantir a continuidade da espécie e a lenta evolução.
No entanto, tem uma vida, vivendo-a por inteiro. Não inventam!
E como o “tempo” acabou, termino a pedir deste texto noticia não façam, pois receio me neguem a alta que há tanto “tempo” almejo.
São uns centos daqueles pequenos seres que ali são destruídos e, aparentemente, o facto não perturba a continuação da tarefa do ir e vir, ressalvada uma ligeira agitação.
Curioso do que pensam disso os outros humanos, resolvi sair à rua armado de micro e câmara, interpelando o passante, coisa muito em moda nos tempos que correm.
Cheguei à conclusão que a maioria age como as formigas. Regra geral não sabem, não tem opinião, não tem tempo e quejandos. O que importa é o constante ir e vir.
Emoções ? Nem por isso.
Foi giro e absorvente, porventura sem resultados práticos.
Caricaturo aqui duas ou três dessas entrevistas pelo seu destaque_
1. Encarou-me. Eh pá, não sei, talvez fosse útil nomear uma comissão para estudo do assunto e ... interpõe um sorriso alarve e exclama... Eh pá isto é para os apanhados!
2. Aprumou-se, ajeita o visual, e certamente na esperança de sair no noticiário das oito, desata num discurso complexo, falando, falando, e não dizendo nada. ( Onde é que eu já tinha visto isto ?)
3. Outro decerto me conhecia. Fitou-me, virou costas e rosnou “o gajo é doido”.
Fácil se torna retirar a conclusão que ninguém quer saber de ninguém e o sistema é tocar para a frente mesmo que a meta seja atrás.
Deu-me gozo e por tal vou preparar outra entrevista.
O assunto tem de ser explosivo.
Por exemplo perguntar o que pensam dum ser gigantesco que anda a passear na baixa pombalina, espezinhando com a sua patorra 430, humanos, viaturas, edifícios e dando piparotes aquelas belas estátuas, quando alça a perna para passar para lá do arco da Rua Augusta.
Aqui vai interessar sobretudo a cuscas, mirones e radicais que de certo vão arriscar para dar uma olhada e depois poder contar, aumentando... Se escaparem.
Olha, aquele tipo vestido de branco a dizer-me para não brincar com a câmara que é muita cara. Outro sem sensibilidade.
Que Deus me perdoe.
É proposto reflectir sobre a influencia que possa ter tido em mim o atendimento de prevenção do suicídio, anónimo, solitário e pontual em que durante anos escutei a angustia, o desespero e a solidão dos outros.
Quando iniciei essa escuta, há muito andava eu prenhe de raiva e intolerância.. Duas figuras um tanto mesquinhas porém garantes da continuação da vida, mesmo quando tudo indica o contrário. Magnificas substitutas do desânimo e da apatia, estas por certo levando a outros caminhos.
Creio que nunca fui menino e daí sempre considerei a vida tarefa árdua. O fardo é difícil de transportar na subida e, por vezes, também na descida, ao contrário do que dizem dos santos.
O intolerante, por demasiado assertivo e pleno de disciplina, não é de todo bem visto. Assemelha-se ao ditador.
Porém nele coabitam a convicção e a justiça.
Quando critica os outros, exige o dobro de si.
Já a raiva é menos nobre, tem outra cor.
É aversão, falta de crença, não aceitação, contrariedade.
O “porquê eu ?”.
Pela via errada, é luta contra a soberana ditadura da natureza.
Lá me integrei no tal de atendimento.
Anos pesados que foram !
Na mistura de todas aquelas cores de sofrimento, mergulhei as minhas emoções e dei o braço à amargura dos outros. Notei existirem dores mais fortes que as minhas ou pior suportadas, atingindo por vezes o desejo expresso de partir.
Acabei também por escutar com todos os sentidos, aquelas vozes sem rosto, no grito dos seus pesares.
Partilha ? Não, não creio ! Foi por inteiro !
Pacifiquei a alma. Serenei.
No reino das solidões consegui situar a minha.
Lavei a raiva, aceitando a dos outros.
Aos outros aceito e compreendo, e até mantenho amizade com seres com vidas, sentires e condutas diferentes das minhas, na convicção de que não sou dono da verdade, nem sequer sei bem onde ela mora.
Intolerante, ainda sou, comigo próprio. Exijo-me.
Um destes dias irei perdoar-me! Prometo !
E assim a vida me mostrou que, e apesar de, sou um privilegiado.
Tenho feito progressos na aceitação da loucura e sua dimensão.
Falo da minha claro. Embora reconheça que todos somos um tanto, dependendo sempre da opinião do outro e do próprio conceito.
Os passos foram temer, compreender, aceitar.
Tenho por isso de repetir algo que escrevi e cujo sentimento perdura:
Se me fosse permitido separar a humanidade em duas partes, os loucos e os outros, e, por modéstia, me colocasse no sector dos outros, restar-me-ia a angústia de não saber o que eles sabem que eu não sei.
Acordei esta manhã na disposição habitual.
Sabem quando se acorda não enxergando, nem a roupa nem justificação para mais um dia de luta ? Sabem ! Evitam-me o fastio de explicar, pois assim foi que me arrastei ao quarto de banho.
Ali mora o mais confidente dos meus espelhos, aquele com quem mantenho maior intimidade e no fundo me olha sem os atavios e adereços que adoçam a figura e o grupo social impõe.
Uso com ele de certa sacanice, confesso, pois, para obter respostas positivas, lhe troco as voltas. É assim que diariamente e após mimo cá, mimo lá, lhe coloco a pergunta dos contos de embalar.
Espelho meu, espelho meu, diz-me que não há tipo tão feio como eu.
Tudo começou a correr mal quando ele me quis gozar no intuito evidente de azedar o dia e respondeu mordaz:
“mas não, mas não... há por aí tipos bem piores do que tu “
Tanto desatino irritou-me e atirei-lhe a saboneteira, estilhaçando-o, e ele, mudo, devolveu-me uma imagem horrível.
Boa. Era mesmo o mais feio.
Já tranquilo sentei-me na sanita, e, cumprido rapidamente o objectivo, saltei para o duche e até cantarolei.
Já tinha que fazer. Ia comprar um espelho.
Sem me captar grande interesse, decorria a reunião em normalidade, não fora a chata da sujeita que me coube por vizinha. Tagarela... Tagarela por inteiro...
E pelas tantas e pelo desinteresse do paleio, desliguei, deixando a sujeita em continuado monólogo.
Voltei a ligar quando ela, no recheio duma qualquer frase, afirmou detestar todos aqueles tipos vermelhos que nos rodeavam.
Aí, não resisti e na tentativa de a aquietar, sem saber o que o feito me reservava, ironicamente exclamei:
“É verdade, ainda bem que você é azul”
A resposta veio embrulhada num ramo de bemmequeres:
“Notou ? Foi por isso que me sentei junto a si, adoro o seu azul celeste.”
A tipa, além de tagarela era indubitavelmente daltónica e em definitivo calou-me.
Aterrorizado, posso dizer, levantei-me e saí em silencio de sorrido amarelo.
Cá fora corri a um espelho e dei graças, não havia manchas verdes.
Porque sim, eu sou amarelo e detesto estas reuniões de vermelhos e azuis.
Felizmente ela não me tocou !
os de cá
OS DE LÁ